O palestrante viajante

No filme "Amor sem escalas", o personagem interpretado por George Clooney ensina várias dicas à estagiária (Anna Kendrick) de como se virar durante as viagens. Uma das dicas é no aeroporto: No Raio-X, pegue sempre a fila em que há japoneses, porque eles não usam sapatos de amarrar (em alguns aeroportos exigem que você tire os sapatos no Raio-X).


É pensando nessas pequenas dicas, que podem agilizar e tornar mais confortável a vida do palestrante viajante além de melhorar sua apresentação, que eu faço anotações em meu Palm. Sim, eu uso um Palm, como antigamente! Aqui vão algumas das dicas anotadas:

Sempre faça o check-in via Internet para não perder tempo em balcão de aeroporto. Você tem bagagem para despachar? Não deveria. Eu consigo ficar alguns dias fora só com o que levo numa bagagem de mão, além da bolsa para meu notebook. Para começar, não levo livros para ler na viagem; levo meu Kindle com uma biblioteca que pesaria algumas arrobas se os livros fossem impressos.

Viajo com o blazer que vou usar na palestra, uma calça combinando no corpo e outra de estepe na mala. Sapatos só os dos pés. Tudo bem que nas fotos dos diferentes eventos eu apareço sempre com a mesma roupa, mas qual é o problema? Não estou também com a mesma cara? Minha bagagem só fica maior na volta, porque trago os sabonetinhos e vidrinhos de xampu para minhas empregadas.

Também não levo travesseiro, como vejo algumas pessoas fazerem. Será que não conseguem dormir sem? Ou talvez sejam alérgicas? Mas eu tenho sim uma almofada de pescoço, porém inflável e não parecendo aquela ferradura enorme e fofa que você vê nas lojas de aeroporto.

Se você tem uma almofada inflável, aqui vai outra dica: Encha pouco enquanto estiver no solo, porque ela irá ficando maior à medida que o avião subir. Mesmo em aviões pressurizados a pressão da cabine em voo é menor do que em terra, e se você encher sua almofada até o limite, ela pode estourar no voo. Você não quer matar os passageiros de susto, quer?

Uma venda para os olhos também é essencial, embora às vezes eu tenha preguiça de pegá-la no bagageiro e acabe enfiando meu lenço sob os óculos, o que dá na mesma. É claro que fica ridículo para quem olha para mim, mas isso é problema de quem olha. Eu mesmo não vejo nada. Meu kit de dormir nas alturas inclui ainda um par de protetores auriculares, porque sempre vai ter um chato conversando atrás, ou o piloto dando aqueles avisos inúteis que só servem para acordar.

No hotel, não coma comida que possa ficar guardada. Dê preferência aos fritos e grelhados (não estou dando dicas de saúde, mas dicas anti-diarreia). E evite levar a mão à boca enquanto come. Você já reparou quantas pessoas põem a mão naquele talher do bufê?

No quarto, escolha a cama (quando tiver mais de uma) ou o lado da cama (quando for de casal) que lhe parecer melhor... e durma na outra (ou do outro lado). Isto porque todo mundo vai escolher esse mesmo lado da cama, ou porque é perto do banheiro, ou porque tem melhor visão da TV, ou porque fica ao lado do telefone, e provavelmente será o lado em que o colchão estará completamente afundado. Agora você sabe por que, ao olhar no espelho do hotel sua imagem está vergada. Não é o espelho.

Na hora de preparar sua apresentação, não numere os slides. Você pode precisar encerrar antes de chegar ao fim dos slides porque o tempo acabou, e o melhor é que todos pensem que aquele era seu último. A não ser que você diga a célebre frase "eu tinha muita coisa ainda para apresentar, mas o tempo é curto..." ou seu público seja capaz de ver que você parou no slide "32 de 128".

Colocar o título da palestra no início da apresentação pode não ser uma boa ideia. Já aconteceu comigo de um cliente pedir um título, eu colocar o título, e na hora descobrir que a empresa tinha decidido mudar o título da palestra (embora o assunto fosse o mesmo). Lá estava minha apresentação com o título antigo.

O melhor mesmo é que seus slides sejam tão genéricos, mas tão genéricos que você seja capaz de falar de qualquer assunto usando os mesmos. A menos que você seja médico convidado a falar de colonoscopia e na última hora peçam para falar de laringoscopia. Apesar de ambos os temas terminarem com "oscopia", sugiro que troque os slides.

Outro dia tive um sonho: fui contratado por uma universidade americana para fazer uma palestra sobre marketing. Na hora "H" o reitor veio avisar que eu precisava mudar meu tema e falar sobre economia americana. Tentei explicar que não entendia nada de economia americana, mas ele mandou eu inventar alguma coisa porque o presidente Obama estaria na primeira fileira.

Usando os mesmos slides inventei um monte de ideias malucas sobre como salvar a economia americana e, no final, o presidente Obama veio me parabenizar e agradecer. Segundo ele, o que eu falei era a fórmula que iria salvar a economia. Ele iria providenciar para que aquilo fosse colocado em prática imediatamente.

Minha frustração é que acordei e não consegui mais me lembrar do que disse na palestra!