Não me lembro se já falei disso aqui, mas se existe um palestrante esquecido esse cara sou eu. Tenho péssima memória para nomes, números e até conversas que tive com alguém, o que me leva a dizer "Muito prazer!" mais de uma vez para pessoas em algum evento num mesmo dia. Eu simplesmente me esqueço de termos conversado dez minutos antes ou até almoçado juntos.
Mas se minha péssima memória pode causar constrangimentos no relacionamento com as pessoas, ela não é problema durante as palestras. Minha filha me acha criativo e diz que a falta de memória deve ser o segredo, porque quando não me lembro de algo eu simplesmente invento, ou que não faz de mim um mitômano, mas um criativo, já que não invento pessoas, coisas ou situações. Afinal, os roteiristas de Hollywood fazem isto todos os dias.
Se você já assistiu algum filme que começa com a frase "Baseado em fatos reais" pode ter certeza de que o que tinha de menos ali eram fatos reais. Para uma história, mesmo verdadeira, ficar interessante os roteiristas inventam uma porção de coisas, pessoas e situações. Por ser um apaixonado pela Bíblia tenho particular aversão por filmes bíblicos, pois com raras exceções eles sempre são péssimos em termos de fidelidade às Escrituras.
Quer um exemplo? Sansão não era musculoso, Noé não fechou a porta da arca, não existem evidências de que os reis magos fossem três, Saulo não caiu de um cavalo no caminho a Damasco... Estes são apenas alguns exemplos de como a imaginação dos roteiristas acabam detonando a realidade do texto. Por isso prefiro ver uma boa ficção a assistir um filme dito "bíblico" ou "cristão".
Mas voltando ao assunto da memória do palestrante (pelo menos não me esqueci do assunto), se você quiser que dê um branco na memória na hora da palestra é só se preocupar em lembrar tudo o que preparou. O branco vai aparecer sim. Você começará a se cobrar ali no palco tentando cavar a memória com uma pá em busca do assunto perdido. Sabe de onde vem o estresse nessa hora? De achar que seu público percebeu que você se esqueceu. Mas se o público não sabia o que você iria falar, como ele poderia cobrar? É você o maior vilão nessa hora com sua própria cobrança.
Mas se partir para a palestra descontraído e descompromissado sua mente funcionará direitinho e, ainda que se esqueça do que tinha para dizer, você acabará inovando e criando outras coisas que nem havia imaginado antes. Algumas palestras ficam muito mais interessantes quando o palestrante foge do roteiro e explora novas ideias.
Meus clientes sempre insistem em fazer um briefing, isto é, querem me brifar para me deixar brifado com boa antecedência (eh... eh... nada como abusar de um estrangeirismo...). Às vezes até um ou dois meses antes do evento, e apesar de eu educadamente anotar o que dizem sobre a empresa, necessidades, perfil do público etc. eu sei que vou me esquecer de tudo aquilo e serei obrigado a ligar para ele na véspera do evento.
Meu esquecimento é meio voluntário, pois uso uma técnica que aprendi com um ator. Quando lhe perguntei como ele era capaz de memorizar todas as falas de uma peça de teatro ele explicou que quando termina a temporada ele simplesmente passa uma borracha na memória para poder carregá-la com o texto da nova peça. Assim eu entro em um estado de imersão na véspera de uma palestra, construindo o roteiro no pensamento, para depois apagar tudo e partir para a construção da próxima.
É por isso que não adianta muito eu querer preparar com grande antecedência um tema porque sei que não ficará tão bom quanto a preparação em cima da hora, quando já passei uma borracha na palestra de ontem para mergulhar na de amanhã. Ontem fiz uma palestra que estava preparada há mais de um mês por exigência do cliente, que quis que eu lhe enviasse o roteiro de tudo o que iria dizer. Apesar de permanecer no assunto, o que falei mesmo foi aquilo que pipocou em minha mente um dia antes de partir para o evento e a palestra foi um sucesso, surpreendendo até o cliente que não esperava por aquilo.
Agora, antes que você saia correndo me imitar, saiba que esta é a minha forma de trabalhar e pode não funcionar com você. Sei de palestrantes que têm excelente memória e são capazes de se lembrar dos nomes de todos os que os cumprimentaram após uma palestra. Eu, porém, nem olhando para as fotos. Aliás, geralmente nem me lembro de terem tirado fotos comigo.
Quando lecionava costumava dizer aos meus alunos no primeiro dia de aula que iria me lembrar de apenas dois nomes daquela classe: o melhor e o pior aluno. Se eu chamasse algum pelo nome durante o curso ele que tentasse descobrir como me lembrei de seu nome.
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08/04/2014
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